quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Das conversas à toa...

Esses dias, numa conversa à toa, surgiu-me uma idéia. Parêntese: essas conversas à toa, aparentemente fúteis e desinteressadas, é que às vezes nos salvam da rotina de pedra, da rotina de dias retos. É como se fosse um livro, mas ao invés de se abrirem folhas, abre-se o ser, não técnico e materialista, mas o ser verdadeiro que a gente abre quando se está em casa de chinelos, ou descalço mesmo (ai ai, isto é uma referência, ou influência, de "Três Alqueires e Uma Vaca", Gustavo Corção,que li este ano e não me esqueci, não é possível esquecer). Claro, não é sempre assim, digo das conversas-à-toa não forçadas, se bem que às vezes uma conversa meio forçada pode resultar numa boa conversa, quando o ser verdadeiro resolve dar as caras. Parêntese do parêntese: falar em ser verdadeiro, dá impressão (e foi de propósito) que existem dois seres num só, ou três, um verdadeiro, um mais ou menos e um falso. Sei lá. Mas que a gente fica mais reticente quando sai de casa, fica. Fim dos parênteses. Então, voltando à conversa à toa. Não foi por acaso que estava justamente em casa, em volta de uma mesa. As boas conversas geralmente se dão em volta da mesa, pode perceber, quando se tem comida e come-se sem pressa, então, são os melhores papos. Lá na mesa da casa da minha mãe, por exemplo, qualquer assunto com a grande família mezzo italiana reunida vira um grande debate (bem observou um amigo!). Mas na conversa à toa aquele dia na minha casa, estávamos conversando não sei o que. Ah lembrei, era sobre o sogro que invariavelmente acaba sendo o assunto quando nora e sogra sentam na mesa para tomar café. O sogro, segundo o diagnóstico da sogra, é meio hiperativo ou hiperativo e meio, não entendo do problema, mas a gente tende a pensar que esta coisa dá em criança... E eu pensei, de repente, que o purgatório deve ser aquele lugar onde a gente terá que controlar e curar-se das próprias ânsias, aquelas não equilibradas em vida: numa fórmula diretamente proporcional (como se as ânsias pudessem ser colocadas numa fórmula matemática), quanto maior o saldo houver (ai essa mania de contadora...), maior o tempo no purgatório até não haver o controle total das angústias, a perfeição. Também a fórmula não deve ser tão simples assim, creio eu.
Imagino que isso possa render boas, divertidas e assustadoras estórias. Ao menos rimos muito imaginando o sogro com as mãos e pés amarrados, como um parar obrigatório, para controlar a ansiedade de todo tempo estar em movimento, se não em movimento, de estar mexendo sempre com alguma coisa, um objeto, mesmo quando seria um momento de relaxar, o objeto é o controle remoto. E eu? Eu acho que ficaria, ou ficarei de repente, de jejum, para dizer o mínimo!
Assim, alguns podem pensar que o purgatório seria o próprio inferno. Não! O inferno não tem retorno, o purgatório é a segunda chance para a vida eterna. E antes mesmo de ficar nestas digressões é preciso acreditar na vida eterna, ao que outros acharão uma bobagem tremenda, alguns podem dizer que é fácil deixar para um possível depois, etc, etc, claro que o porvir da eternidade não é o lugar onde se deposita coisas da vida, para “depois eu vejo o que faço”, não, não, a própria idéia da eternidade é que assusta e é por isso mesmo que não é nada fácil e se é uma espécie de “depósito”, o estoque não poderá ser ruim, ou de todo ruim ao menos. Mas que horror pior, creio eu, é viver sem ao menos a chance da eternidade, a vida passaria a ser puramente material e temporal, purgatório e inferno seriam neste plano, sem chances do paraíso, porque o paraíso não é aqui (a própria noção de paraíso não seria lógico num mundo desses). Seria a desesperança total. Enfim já mudei de rumo... cada um com suas ânsias, purgatórios e infernos.
Voltando. É por essas e outras que em casa, de chinelos ou descalço, em volta da mesa ou não, a gente se despe das vergonhas de pensar e dizer (elas ficam na soleira da porta para quando sairmos novamente) para ser o que é. E quando até em casa há essa boba vergonha de se exprimir a alma, num sentido de se reprimir (porque um pouco pudor sempre faz bem), ai ai ai, as saudáveis conversas à toa não serão possíveis, espontâneas e tão fáceis, será preciso (suponho, não tenho fórmulas como as vendidas em pílulas de auto-ajuda) despir-se das máscaras ou corre-se o risco de viver a antecipação, não do purgatório, mas do inferno numa simples rodada de café.
O inferno é a repressão da alma e não ter liberdade de ter dessas conversas à toa, seja lá onde for.

* * *

O CERCO

Estamos todos cercados;
e o silêncio do sonho
é nossa arma sagrada:
as pistolas e as línguas de aço
dos inimigos brilham ao sol,
e eles gritam tanto
sobre as velhas colinas,
atrás das cegas estantes,
que sabemos de tudo;
e colados ficamos,
amamos e permanecemos.

Alberto da Cunha Melo (falecido em 13/10/07)

Poemas do livro O Cão de Olhos Amarelos & outros poemas inéditos
A Girafa Editora, 2006

Um comentário:

Anônimo disse...

Salve, Lele.
Vc sempre é uma ótima cronista. Bjs do Aluízio Amorim