Acho estranha a mentalidade que defende o controle do número de filhos para os pobres, porque, segundo tal mentalidade, o pobre exigiria que o estado custeasse seus gastos e pagasse uma bolsa-filho. Em tese, o raciocínio é coerente: os pobres precisam mais da assistência do estado: quanto mais filhos, mais esta necessidade cresce, logo, a pessoa que paga imposto e que não é pobre, acha justo que os pobres tenham menos filhos (inclusive um com controle rigoroso através de política pública) e absurdo o contrário, como se o sujeito desta mentalidade tivesse uma autoridade maior, conferida pelo status monetário, para julgar a questão, como se não houvesse a possibilidade de no futuro ela mesma vir a ser um pobre e deste construir um império financeiro. Interessante que a recíproca (do critério) não é válida, já que os mais afortunados geralmente não querem ter mais que dois filhos (um já está mais do que bom).
Coerência não é tudo, não quer dizer que um raciocínio não seja torto e este raciocínio é torto para o lado impiedoso com a pessoa pobre. Contudo, não estou defendendo aqui a pobreza e permanência da pessoa nesta condição e a geração e criação irresponsável dos filhos. Quero ressaltar que o raciocínio torto está justamente na condição financeira como critério primeiro para emancipação da liberdade da pessoa e também da sua privacidade, ou seja, a intromissão de terceiros na sua vida pessoal e familiar, através de controles sociais e legais, etc, (algo que o não-pobre não deseja para si). Lógico que o dinheiro ajuda na conquista das escolhas, porém antes do dinheiro há o indivíduo.
O problema, entendo eu, não está na quantidade de filhos que o pobre faz, mas no tipo de assistência viciante dada pelo Estado. É claro que o pobre (e também a classe média, oras) precisa mais do SUS, porque ele não pode pagar um plano de saúde, precisa de escolas públicas porque não pode pagar uma particular; o Estado está aí justamente para suprir este tipo de necessidade da população que mais precisa, até dando algum tipo de subsistência aos miseráveis sim, além dos serviços comuns a todo mundo, como segurança. A assistência que vicia, a bolsa qualquer coisa que não pede contrapartida e assim não emancipa o pobre da necessidade do Estado, cria uma necessidade permanente e isto é que é ruim e, combinada a outros fatores, como falta de educação (desde o berço), etc, e sobretudo a vontade e responsabilidade individuais (o “pobre honesto”), cria este tipo de situação que dá margem a mentalidade impiedosa do não-pobre.
Bons e sensatos são aqueles que trocam o carro todo ano (não que isso seja ruim!) e acham que por isso podem julgar e definir critérios para algo tão importante na vida da pessoa e também para a continuidade da espécie humana, que é o filho. Engraçado é que nem “liberais” (no sentido econômico) escapam desta mentalidade: são anti-socialistas/marxistas ferrenhos e ao mesmo tempo colocam a economia como base para formação do indivíduo e da sua liberdade.
Enfim, quero ressaltar que não saio na defesa ideológica de um levante dos pobres contra os não pobres, a famosa luta de classes, apenas defendo (1) a liberdade e privacidade da pessoa independente da sua condição financeira; (2) responsabilidade individual para geração e criação de filhos (que começa com a responsabilidade na vida sexual); e (3) a piedade para com o outro.
8 comentários:
Como diz o Diogo Mainardi, o pobre se vira. Aliás, todo mundo se vira. E cada um sabe de si. É isso aí, Lelê. Beijos, querida.
Não sabia que Mainardi havia dito isso, Marie. É verdade, todo mundo se vira, se deixarem todo mundo se virar! Beijo.
Muito bom, Lelê!
Olha, o Olavo é de uma clareza fora de série. E, diferentemente do estilo trueoutspeak, em aula ele é muito rigoroso e muito claro. E convém destacar que o material que já foi disponibilizado é parte integrante justamente de um curso chamado "Introdução à vida intelectual". De minha parte não somente participo, como também recomendo com todo entusiasmo que posso demonstrar!
Lelê, vim parar aqui pelo blog da Marie.
É sempre uma alegria achar vida inteligente na madrugada (sem Serginho Groissman)...
Seus textos são ótimos.
Já vou te linkar.
Bisous
Ah, e minha mãe teve cinco filhos e nunca pensou neles em termos contábeis.
Estava meio longe da net, eu mesma me abandonei por aqui! rsrs
Obrigada Rodrigo, fico bem feliz com a tua visita! =)) William, estou bem afim de fazer o curso, só preciso organizar meu tempo, obrigada pela informação.
Fernando, esta Marie é boa no meio de tempo, por ela também já conheci muitos blogs bacanas! Também somos em cinco irmãos [do mesmo pai e mãe rsrs] e apesar de todos as dificuldades normais da vida, tá todo mundo encaminhado e meus pais não se arrependem! hehe Obrigada pela visita, abraço.
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